Depois de uma semana a queimar a pouca inteligência que reside em mim por causa dos exames, escrevo estas linhas para apresentar um livro, que pela minha repetitividade, já devem estar fartos dele - Comboio Nocturno para Lisboa. Mesmo correndo esse risco eu escrevo porque foi um dos livros que mais me marcou nos últimos tempos.
A história? Em traços largos, tudo começa numa manhã chuvosa em Berna. Uma mulher tenta saltar da ponte no centro da cidade e Raimund Gregorius, um professor de Grego e Latim, com uma vida enfadonha, evita o acto de suicidio e surpreende-se com a sonoridade de uma palavra proferida pela mulher: "Português", quando este lhe pergunta que lingua fala.
A partir daqui e da aquisição por mero acaso, de um livro de um médico português membro da resistência ao Estado Novo, toda a vida daquele professor muda, vendo-se de um momento para o outro no comboio para Lisboa, uma cidade desconhecida.
Um livro que retrata a Lisboa de hoje e a de outros tempos, a vida questionada pelo médico do passado e pelo professor do presente, que deseja respirar os mesmos ambientes, conhecer as mesmas pessoas que o homem que lhe mudou o rumo com as questões que colocou. Uma descoberta da própria vida pelas mãos de outro, morto 30 anos antes.
Figura brilhante desde a infância, Amadeu Prado, o nome do médico, caiu em desgraça perante a população que tratava muitas vezes gratuitamente, por salvar a vida do chefe da PIDE.
A partir dessa data envolve-se numa espiral de auto-destruição e pensamentos vertiginosos, vindo a tornar-se resistente ao regime de Salazar para expiação do pecado cometido com o chefe da PIDE.
Este livro já vendeu milhões de exemplares por toda a Europa, criando uma expressão idiomática com o próprio titulo do livro - Comboio Nocturno para Lisboa - passou a ser um sinónimo para quem quer mudar de vida radicalmente, trazendo milhares de turistas a Lisboa em busca de Amadeu Prado.
O autor, Pascal Mercier - pseudónimo literário do filósofo Peter Bieri, explica a escolha de Lisboa como palco do romance por ser uma cidade com ares do século XIX, com uma cultura muito própria e por Salazar - "não era como Hitler ou Mussolini, era inteligente e culto, de uma brutalidade subtil e perigosamente encantador". Este filósofo apaixonado por Pessoa, acaba por escrever um Livro do Desassossego com as palavras de Amadeu Prado. Com apontamentos simplesmente brilhantes...