Esta letra cantada por uma senhora de nome Isabel Silvestre, conhecida por colaborar com os GNR na "Pronúncia do Norte", é das que para mim, melhor traduz o nosso país rural, profundo e não obrigatoriamente inculto. São conhecimentos igualmente válidos, que se passam de geração em geração, de boca em boca, com o calo do tempo que vai comprovando que nem só o que se traduz em letras é importante.
Sinto neste texto a força do povo esquecido e escondido, aquele que muitas vezes nos guarda as tradições, quase apenas por orgulho e teimosia...
"Ai senhor das furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
Rogar a deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão
Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais
E do resto entender mal
Soletrar, assinar de cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz
Ai senhor das furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de leziria
De boca em boca passar o saber
Com os provérbios que ficam na gíria
De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E a entendê-los à nossa maneira
Carregar a superstição
De ser pequeno, ser ninguém
E não quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem"
2 comentários:
Para evitar que tanto conhecimento se perca é que acho importante os pequenos livros que um pouco por todo o lado se vão fazendo, numa tentativa de o compilar, já que parece que a grande maioria dos "netos" não está interessada em prolongar a tradição...
Sem duvida, é de louvar a casmurrice de quem ainda vai editando essas compilações de histórias e estórias do nosso Portugal.
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