domingo, fevereiro 04, 2018
Carta a Pilar
Quando puderes ler estas palavras já passaram largos anos desde o momento em que escrevi.
Ao saber da tua vinda, houve um misto de pânico e alegria no meu corpo, na minha mente...
Alegria pois és e sempre serias o meu rebento (ainda não te sabia Pilar, talvez saísses Afonso ou Fausto), alguém que iria deixar no mundo,que perpetuasse o meu - teu nome e da tua família, um ser humano criado, educado de acordo com os meus valores e por vezes, falta deles...
Pânico, pois soube naqueles segundos que a minha vida iria levar uma volta radical, uma viagem sem retorno, sem segundas oportunidades para erros ou falhanços. Seria sem duvida a maior das minhas responsabilidades, o maior dos desafios e isso filha, isso assustou-me de morte.
O turbilhão emocional que tomou conta deste cérebro, já de si nada salutar, torceu-se e retorceu-se, à procura da melhor forma de encarar este novo papel da vida: ser pai, Teu Pai.
Tentei (certamente com falhas) acompanhar a tua mãe em todos os passos da tua gravidez, fazer tudo para que tivessem um inicio tranquilo, feliz e que acima de tudo, sentisses conforto nesta família que te acolheu sem teres hipótese de escolha.
Julgo que nesta etapa passei com distinção, a tua mãe sorriu muito, demos-te muitos mimos aos quais retribuías com pontapés e murros que preferimos recordar como sinais de alegria (se estamos errados deixa-nos viver iludidos, ok?) Passeaste connosco - até à Suiça foste, Pilar!
Tudo correu aparentemente bem até ao dia que decidiste ou melhor, que decidiram que irias nascer...
Ver a tua mãe rodeada de médicos e enfermeiros, ouvir frases dispersas e o ar assustado na face dos profissionais, sem saber se era de ti ou dela que se tratava, ser posto à parte durante minutos que me pareceram literalmente horas, sofrer em silêncio por não querer alarmar mais ninguém, foi um suplicio, uma prova de fogo.
Quando finalmente te vi... um ser mínimo, enrugado, ligado a máquinas, cheio de fios, foi uma sensação agridoce... eras minha filha, estavas ali depois de teres sobrevivido ao sufoco do cordão que te alimentava, mas estavas tão frágil, tão pequena...
Passaram-te para os meus braços, logo eu que nunca, sim, nunca tinha pegado em alguém tão pequeno e quase não senti o teu peso, apenas pavor de te deixar cair, de te magoar num aperto involuntário.
Depois... depois foi o aprender a viver contigo, um ser pequenino que borrava fraldas a cada hora e quase não sabia chorar.
Eras peluda, enrugada, escura... confesso que não te achei bonita, mas amei-te de imediato, foi amor instantaneo, uma sensação de protecção e carinho que nunca tinha sentido na vida, sentia-a contigo, por ti...
Com o passar dos tempos, foste enchendo as bochechas, perdendo as rugas e aquela cor meio avermelhada e escura com que nasceste pelas dificuldades passadas para conhecer o mundo e apaixonei-me novamente... Agora eras uma bebé linda, sorriso desdentado com que nos brindas a cada acordar, pelos mimos que me permites dar e até pela forma como aturas a minha barba que tanta gente amaldiçoou e previu que não fosses gostar.
Por tudo isso, perdoou-te as noites mal dormidas, as horas de choro com as malditas cólicas e a manha que já te acompanha quando queres mais atenção.
Por tudo isto posso dizer-te filha, que te amo verdadeiramente, que todos os dias sinto com um desafio, um passo no escuro, num mundo estranho da cada vez que me lanças num novo nível desta curta vida.
Luto diariamente por ser um bom pai, o melhor que consigo ser, com as limitações que tenho, todos os defeitos que carrego, luto por te dar o melhor de mim e acompanhar estes passos tão desconhecidos para estes adultos teus pais.
Altero formas de ver, refaço pensamentos, revejo decisões, calculo tudo o que possa por mais infimamente alterar a tua felicidade, o teu futuro. Acima de tudo desejo-te uma criança feliz, afortunada com a família que te calhou em sorte. Nenhum de nós se escolheu, mas creio na aprendizagem mutua.
Escrevo enquanto dormes a meu lado, pareces tão segura, tão pacificada que sinto a ilusão de estar a fazer um bom trabalho...
Repito... quando hipoteticamente leres estas palavras, passaram anos desde este discorrer de pensamentos, mas espero sinceramente que aqui possas reconhecer alguém que não nasceu para ser pai, mas que se esforçou todos os dias por sê-lo, mesmo barbudo, tatuado, fumador de cachimbo, apanhador de cogumelos, amante da decadência urbana, da penumbra da floresta e que me perdoes todo e qualquer erro que tenha cometido durante esta difícil e gratificante caminhada.
És a parte mais importante de mim.
Por ti, para ti Pilar...
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